02
Ele levantou.
Ajeitou o casaco. Um
casaco cinza, com um caimento impecável, obra de um bom alfaiate. Parecia ter
sido feito sobre medida o terno. Estava usando uma camisa branca, gravata cinza
e sapatos pretos. Os sapatos mais bem lustrados que eu já vi. Nem um sinal de
poeira, impecável. Deu uma olhada em volta, observando todos que estavam na
capela. Tirou um relógio de bolso, verificou as horas.
- Já está indo – eu
disse.
Ele virou-se e ficou me
olhando, parecia estar me analisando e pensando nas palavras mais adequadas
para me responder.
- O enterro vai ser
amanhã no final da manhã – eu disse.
- Você fuma, me empreste
o isqueiro amigo.
- Como você sabe? Não
importa. Eu também estou precisando fumar um cigarro, vamos ali fora.
Apesar do calor, a noite
estava agradável. Do lado de fora até corria um ar, uma brisa fraca e
refrescante.
- Posso saber o seu nome?
- Ângelus, e o seu é
Pedro Rodríguez.
- Acertou – eu disse –
Ângelus, já que não é advogado. É contador? Corretor? Trabalha em algum
escritório?
- Não.
- Anda aqui na região,
mas você não é daqui?
- Não sou.
- E como conheceu o
finado?
- Não importa. Vamos
mudar de conversa.
- Só estou tentando
manter um dialogo...
De algum modo, ele não
queria falar a seu respeito. Tirei o isqueiro do bolso e aproximei de seu
cigarro. Deu uma boa tragada e jogou a fumaça pra cima. Acendi o meu e fiquei
olhando a noite. O céu estava estrelado.
Ele tirou o cigarro da
boca e tossiu.
- Hum? – olhei para ele.
- Estou tentando parar, -
ele disse – sabe como é, vicio antigo.
- Sei sim, claro.
Dei um chute numa pedra
que estava na frente do meu sapato, ela rolou alguns metros.
- Você fuma a muito
tempo?
- A muito tempo – ele
sorriu. – ele era um bom sujeito?
- Ééé, claro.
Tive que dizer que o
finado era um bom sujeito. Ele Estava fixo na ideia de saber, ou de me ouvir
dizer. Sujeito estranho. Não parecia ser o tipo de pessoa que poderia ter algum
negocio ou ligação com o velho Anderson.
- Está certo, senhor...
- Ângelus – ele disse.
- É – eu disse. – Mas o
que é mesmo Ângelus. Qual era o negocio que vocês tinham? Onde mesmo vocês se
conheceram?
- Bem, digamos que desde
muito cedo, de quando o Anderson ainda nem tinha aonde cair morto....imagine um
sujeito pobre. Muito pobre. E, é desde essa época que nos conhecemos.
- Não consigo imaginar o
Anderson pobre, sempre o conheci esbanjando dinheiro.
- É – ele disse. – Nem
sempre foi assim. Ele foi um sujeito muito pobre e miserável, a vida dele mudou
depois que fizemos alguns negócios. Você não deve saber, mas ele é natural
daqui da cidade mesmo. Passou um tempo fora ganhando dinheiro e prestigio e
depois resolveu voltar. Foi um erro ter voltado, poderia ter aproveitado mais.
- Estou surpreso, não
podia nem imaginar, que ele é natural daqui. Nunca falou nada. E, eu o conheço
a mais de quinze anos.
- Eu sei, ele não queria
ter a sombra do passado pobre. Resolveu esconder tudo.
- Tem certeza de que
estamos falando da mesma pessoa?
- Ah, sim.
- Então porque eu nunca
lhe vi antes, e porque ele escondeu o passado de mim. Éramos os melhores
amigos, praticamente irmãos.
- Não sei. Cada pessoa
reage de uma maneira diferente depois que atinge o sucesso. Vai ver ele tinha
medo de voltar a ser pobre. Se alguém soubesse do passado dele. Tem coisas que
não se explicam.
- E acha? Que ele
conseguiu ser feliz, dessa forma. Se escondendo.
- Não me preocupo muito
com a felicidade alheia, não me importo.
- Mas quer saber se ele
era um bom sujeito?
- Uma coisa não tem nada
a ver com a outra.
- Tudo bem, Ângelus. Eu
vou lhe dizer, mais uma vez.
- Quero ter certeza, seja
muito honesto com sua resposta. Não pode ter nenhuma duvida.
- E, se eu tiver duvida?
- Você não pode ter, eram
os melhores amigos. Você mesmo disse. Eram como irmãos.
- E eu não sei?
- Preciso de uma resposta
honesta, esperei muito tempo. Ele disse.
Largou a bagana do
cigarro no chão. Pisou com o bico do sapato, como se estivesse esmagando um
inseto. Ficou ali olhando para baixo enquanto a brasa se apagava por completo.
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