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DICA DO DIA

A construção erótica segundo Lou Andreas-Salomé - FANI HISGAIL






FANI HISGAIL


Não há quem não tenha ouvido falar dela, uma das mulheres mais prestigiadas do círculo íntimo de Freud e amiga da família desde 1912. Ficou conhecida por ter despertado paixões avassaladoras em homens que marcaram a época, tais como Paul Rée, Friedrich  Nietzsche e Rainer Maria Rilke. Nos últimos anos,  Lou Andreas Salomé ressurgiu como Lou Salomé personagem do romance “Quando Nietzsche Chorou”, de Irvin D Yalon, e os mais jovens passaram a saber, mesmo que pela ficção, um pouco mais sobre a vida dessa senhora russa, célebre pela autoria de mais de vinte livros de poesia e ensaios de Psicanálise. Lojla von Salomé (1861-1937), é filha de um general do Estado Maior czarista, originário da França, e de mãe natural de S. Petersburgo, única menina depois de seis varões. Foi educada no protestantismo e aos 15 anos conhece o pastor holandês Hendrick Gillot, que durante dois anos vive um amor platônico, de adolescente. Dessa epistolar ligação, interessou-se por filosofia, teologia e literatura, bases para as quais serviram para a carreira nas letras. Por volta dos 18 anos, vai com sua mãe para a Suíça estudar teologia, mas não suporta o clima alpino e muda-se para Roma, onde conhece Paul Rée e Friedrich Nietzsche, formando assim um triunvirato intelectual. Como não poderia deixar de ser, os jovens talentosos se apaixonam por Lou, mas nada conseguem, senão a amizade e a paixão pelos mais caros temas da humanidade. Percorreu a Europa, fazendo amizades com pessoas dos círculos literários e aos 26 anos casou-se com o filólogo Friederich Carl Andreas, homem bem mais velho que tentara o suicídio, enfiando uma faca no peito, na presença de Lou pouco antes de se casarem. Passou a vida inteira casada com Andreas, mas era bastante arrojada e corajosa, não se privando de outras relações amorosas. Aos 36 anos, consagrada como escritora célebre, conheceu o poeta austríaco Rainer Maria Rilke, ainda desconhecido com seus 22 anos. Sem dúvida que esse encontro fora sonhado por Rainer, pois o impressionara muito a poesia de LAS.  Consta que a relação amorosa mais longa foi com o médico vienense Dr. Pineles, onde ficavam juntos longos períodos, enquanto Andreas permanecia em Gottingen, como professor na cadeira de Estudos Iranianos e de Línguas Orientais.

A busca pelo caráter psicológico presente na produção literária conduziu LAS à  psicanálise, e graças ao psiquiatra suíço Poul  Bjerre, quem lhe pôs em contato com os textos freudianos, que pode, aos 51 anos, iniciar uma longa amizade e parceria com Sigmund Freud, que nessa época contava com 56 anos de idade. Na Recordação de Freud, ensaio auto-biográfico escrito em 1936, LAS conta que foi na ocasião do Congresso de Psicanálise em Weimar, no outono de 1912, que se apresentou ao mestre como autodidata depois de proferir uma conferência sobre “A sublimação”. Um ano depois, LAS encontrou-se com Freud em Viena para lhe comunicar a intenção de trabalhar com ele e Alfred Adler. Nessa época, Adler havia se tornado inimigo de Freud, e como relata LAS, ele “teve a delicadeza de aceitar, com a condição de não transparecer nada do que se passasse num grupo ou outro. Essa condição foi de tal modo respeitada, que Freud só meses depois soube que eu tinha deixado o grupo de trabalho de Adler.” (Lou Andreas-Salomé 1991:171) As Correspondências Freud/Lou Andreas-Salomé, iniciam-se em 1912, ano em que se instala em Viena para participar do círculo restrito dos discípulos de Freud. Sua entrada foi saudada por todos, em especial por Victor Tausk que apaixonou-se perdidamente por ela. Permaneceu fiel à Freud até o final da vida com contribuições valiosas, como O Erotismo, publicado em 1910 a pedido de Martin Buber para a revista Die Gesellsehaft.


O EROTISMO


 Na opinião de LAS a base do erotismo é a sexualidade humana, e por esta premissa define o erotismo começando pela sua finalidade, a de ligar e religar as funções “fisiológicas, psíquicas e sociais” em uma só. Trata-se de entender que “o erotismo se ergue num solo sempre semelhante a si mesmo, rico e robusto – qualquer que seja a altura até onde cresça, qualquer que seja sua imensidão, o espaço de que se apodera e a maravilhosa árvore em que se desenvolve – para subsistir, mesmo quando o solo é totalmente invadido por edifícios, abaixo destes em toda a sua força original, obscura e íntegra” (2005:59). 

O erotismo é um estado humano que consiste em criar impressões sobre a manifestação sexual, imputando à experiência uma atividade erótica. A procura psicológica concomitante a atração sexual, como lembra LAS, independe da preocupação com a reprodução da espécie, e a prova disso é que o sexo se realiza sob o “princípio da infidelidade” (2005:61). 


 Bem longe do domínio da fidelidade, “a sexualidade simples é arrastada para a sensação e finalmente para o romantismo das sensações”, denotando a escolha do objeto erótico com o momento do amor. Se julgarmos pela época em que o texto foi escrito, dez anos depois da publicação de Reflexões sobre o amor, 1900,  a construção do pensamento de LAS sobre o desejo, o amor e a sublimação, reúnem, num cabedal literário, narrativas acerca dos hábitos, do cotidiano e do familiar que ajudam a erguer obstáculos contra a infidelidade, encarnada na atividade erótica. 


 Desse modo, a visão higienista, pedagógica e utilitarista exige a fidelidade, e certa constância na organização da vida, que mantêm o erotismo na clandestinidade. Como escritora e pensadora, lutou contra a subordinação das mulheres perante o homem e contestou as convenções sociais, produtos da cultura da época. Curiosa quanto aos papéis femininos dos dramas realistas do século XIX, LAS problematiza os conflitos da alma com as exigências da moral sexual civilizada. Suas ideias encontraram um lugar privilegiado no campo da psicanálise, e ecos dessa união a influenciaram como ensaísta, teórica e analista. Segundo Vanina Escales, jornalista e autora de um ensaio biográfico, os temas que ocupavam a produção escrita eram “a infância como tesouro dos mistérios, o sentido da religião, a psicologia individual, o significado da arte, a mulher na sociedade, as uniões familiares, o amor e o erotismo” (2008:12) Freud a admirava pela inteligência e a capacidade de entender os seus conceitos. As objeções e questionamentos não abalavam a confiança que ambos tinham um pelo outro, nem mesmo os fundamentos das descobertas freudianas. Por ocasião dos seus 65 anos, escreveu Carta aberta a Freud, 1931, endereçando com desenvoltura e elegância, um compêndio de psicanálise. Dos preciosos comentários, destacamos aquele em que ela afirma, 
“Eu fiquei abalada ao constatar que a concepção recente do senhor da dupla amor e ódio, submissão e agressão, se afastava menos do que no passado da concepção de Adler, pelo menos sobre um ponto: o componente agressivo não é mais, para o senhor, como antes, a vontade de afirmação e de expansão do si, que se interioriza para se tornar depois em violência exercida contra nós mesmos” (2001:54). 


 Tal fato confere a soberania da pulsão de morte, e efetua o apequenamento da pulsão oposta, trazendo profundos sofrimentos. Entretanto, as pulsões eróticas concorrem com “o sono da morte” (2001:58) e o que a psicanálise vai resgatar é o que “tem sido sepultado vivo”(2001:59). O Mal estar na civilização, publicado em 1930, é o texto de pano de fundo da Carta aberta a Freud, por que ali ele define libido equivalendo a Eros, a fim de distingui-la da pulsão de morte. A medida que a felicidade de uma satisfação mais primitiva é muito mais intensa do que aquela que é conhecida, Eros inclina-se ao sono da morte. A dualidade pulsional, originaria da teoria da libido e do narcisismo se mantêm até surgir a tensão entre certas qualidades e propriedades das pulsões eróticas e pulsões agressivas. Por fim, a pulsão de vida e a de morte evocam a noção de conflito psíquico, que joga com a determinação da sexualidade e com o saber do recalcado. Os afetos instigados no campo de batalha do complexo de Édipo, instituem a sexualidade como inimigo no conflito. Por isso, Freud as chamou inicialmente de auto-conservação, mas a implicação maior consistiu na contundente descoberta: as pessoas se enfermam porque se defendem da sexualidade. Muito antes da última teoria pulsional, LAS já tinha escrito Anal & Sexual, 1918, onde afirmava que as metamorfoses de Eros, presente desde o banquete platônico, não eram isentas de impulsos agressivos, além de serem transgressivas pela sua natureza inconsciente. É somente pelo domínio do erótico que a conservação da vida apoia-se em Eros, mesmo que em última instância a morte dance a música macabra da finitude e do gozo.

BIBLIOGRAFIA

Andreas-Salomé, Lou. Carta aberta a Freud, Landy Ed., SP, 2001  
Reflexões sobre o amor e O erotismo, Landy Ed., SP, 2005 
A minha vida, Edição Livros do Brasil, Lisboa, 1991 Escales, Vanina. Lou Andreas-Salomé, La seducción de la inteligencia, Ed. Capital Intelectual, Buenos Aires, 2008

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Forma ou fôrma - qual o correto?

As palavras  forma   e   fôrma   existem na língua portuguesa e estão corretas. Podemos utilizar a palavra forma (com a vogal o aberta) como sinônimo de feitio ou para referir a forma conjugada do verbo formar e as palavras fôrma e forma (com a vogal o fechada) como sinônimo de molde. A utilização do acento diferencial é facultativa desde a entrada em vigor do Novo Acordo Ortográfico.   Exemplos – forma (timbre aberto):  Mexer é a forma correta de escrita desta palavra, porque é com x e não com ch.  Sua boa forma é invejável!  A professora forma a fila dos alunos no pátio da escola.  Exemplos – forma (timbre fechado) ou fôrma:  Você tem alguma forma de bolo para me emprestar?  Você tem alguma fôrma de bolo para me emprestar?  Este sapato tem uma forma pequena.  Este sapato tem uma fôrma pequena.  Antigamente, o acento circunflexo era usado para diferenciar a palavra forma (o aberto) da palavra fôrma (o fechado). Contudo, a reforma ortográfica de 1971 aboliu a utilização de acentos